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7.10.13

A história da Hermenêutica- uma visão panorâmica

Por Ana Chagas



No decorrer dos séculos, desde que Deus revelou as Escrituras, tem havido diversos métodos de estudar a Palavra de Deus. Os intérpretes mais ortodoxos têm valorizado a importância de uma interpretação literal. Outros têm empregado um método alegórico, e ainda outros têm examinado letras e palavras tomadas individualmente como possuindo significado secreto que precisa ser decifrado.
Uma visão histórica dessas práticas nos capacita a vencermos a tentação de crer que o nosso sistema de interpretação é o único que já existiu. Um entendimento dos pressupostos de outros métodos proporciona uma perspectiva mais equilibrada e uma capacidade para um diálogo mais significativo com os que crêem de modo diferente.
Pela observação dos erros já cometidos por outros durante todo este período, podemos conscientizar-nos mais dos possíveis perigos quando somos tentados de maneira semelhante; e vemos também que muitos dos grandes cristãos, como Orígenes, Agostinho e Lutero entenderam e receitaram princípios hermenêuticos melhores do que os que eles mesmos praticaram.


EXEGESE JUDAICA ANTIGA
Um estudo da história da interpretação bíblica começa, em geral com a obra de Esdras (Ne 8.8) “Leram no Livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia.”
Os escribas que vieram a seguir tiveram grande cuidado em copiar as Escrituras, crendo que cada letra do texto era a Palavra de Deus inspirada.
No tempo de Cristo, a exegese judaica podia classificar-se em quatro tipos principais: literal, midrástica, pesher, e alegórica.
O método literal de interpretação, referido como peshat, evidentemente servia de base para outros tipos de interpretações. A interpretação midrástica incluía uma variedade de dispositivos hermenêuticos que se haviam desenvolvido de maneira considerável no tempo de Cristo e continuaram a desenvolver-se ainda por diversos séculos. O Rabi Hillel, cuja vida antecede a ascensão do cristianismo por uma geração ou tanto, é considerado como o elaborador das normas básicas da exegese rabínica que acentuava a comparação de ideias, palavras ou frases encontradas em mais de um texto, a relação de princípios gerais com situações particulares, e a importância do contexto na interpretação. Contudo, teve continuidade a tendência no sentido de uma exposição mais fantasiosa em vez da conservadora. Isto resultou numa exegese que dava significado a textos, frases e palavras sem levar em conta o contexto no qual se tencionava fossem aplicados; combinava textos que continham palavras ou frases semelhantes, sem considerar se tais textos referiam-se à mesma ideia; e tomava aspectos incidentais de gramática e lhes dava significação interpretativa. A interpretação pesher existia particularmente entre as comunidades de Qunran. Esta forma emprestou extensivamente das práticas midrásticas, mas incluía um significativo enfoque escatológico. A comunidade acreditava que tudo quanto os antigos profetas escreveram tinha significado profético velado que devia ser iminentemente cumprido por intermédio de sua comunidade do pacto. A exegese alegórica baseava-se na ideia de que o verdadeiro sentido jaz sob o significado literal da Escritura. Historicamente, o alegorismo foi desenvolvido pelos gregos para reduzir a tensão entre sua tradição de mito religioso e sua herança filosófica. Filão, (judeu c. 20 a.C. – c. 50 d.C.) acreditava que o significado literal da Escritura representava um nível imaturo de compreensão; o significado alegórico era para os maduros. Devia-se usar a interpretação alegórica em dez casos específicos, dentre os quais, os critérios 3 e 10 são indicações válidas de que o autor tencionava que seu escrito fosse entendido como alegoria.


O USO DO ANTIGO TESTAMENTO PELO NOVO
Aproximadamente 10% do Novo Testamento constitui-se de citações diretas, de paráfrases do Antigo Testamento ou de alusões a ele. Dos trinta e nove livros do AT, apenas nove não são expressamente mencionados no Novo. Como consequência, um significativo corpo de literatura exemplifica os métodos interpretativos de Jesus e dos escritores do Novo Testamento.


O USO QUE JESUS FAZ DO ANTIGO TESTAMENTO
A partir de um exame do uso que Jesus fazia do AT, podemos chegar a algumas conclusões: 1) Ele foi uniforme no tratar as narrativas históricas como registros fiéis do fato; 2) Quando Jesus fazia aplicação do registro histórico, ele o extraía do significado normal do texto, contrário ao sentido alegórico; não demonstrou tendência alguma para dividir a verdade escriturística em níveis – um nível superficial baseado no significado literal do texto e uma variedade mais profunda baseada em algum nível místico; 3) Ele denunciou o modo como os dirigentes religiosos haviam desenvolvido métodos causísticos que punham à parte a própria Palavra de Deus que eles alegavam estar interpretando, e no lugar delas colocavam suas próprias tradições; 4) os escribas e fariseus, por mais que quisessem acusar a Cristo de erro, nunca o acusaram de usar qualquer Escritura de modo antinatural ou ilegítimo; 5) quando Jesus, vez por outra, usou um texto de um modo que nos parece antinatural, geralmente se tratava de legítima expressão idiomática hebraica ou aramaica, ou padrão de pensamento que não se traduz diretamente para a nossa cultura e nosso tempo. O uso que o Novo Testamento faz do Antigo, os quais provavelmente suscitam a máxima questão com referência à sua legitimidade hermenêutica, são as passagens de cumprimento.


O USO QUE OS APÓSTOLOS FIZERAM DO ANTIGO TESTAMENTO
Os apóstolos acompanharam seu Senhor, e consideraram o AT como a Palavra de Deus inspirada (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21). Em cinquenta e seis casos, pelo menos, há referência explícita a Deus como o autor do texto bíblico. À semelhança de Cristo, eles aceitaram a exatidão histórica do AT(At 7.9-50; 13.16-22; Hb 11). A elevada estima com a qual os escritores do NT consideraram o AT sugere fortemente que não teriam, de um modo consciente ou intencional, interpretado mal as palavras que acreditavam ter sido proferidas pelo próprio Deus. Embora tendo dito isso, geralmente surgem diversas perguntas a respeito do uso que fizeram do Antigo Testamento os escritores do Novo; como: 1) Ao citar o AT, com freqüência o Novo modifica o fraseado primitivo. Como se pode justificar hermeneuticamente tal prática? Após análise, verifica-se que o fato de que os escritores neotestamentários às vezes parafrasearam ou citaram indiretamente o AT não indica, de forma alguma, que usaram métodos interpretativos ilegítimos. E 2) O Novo Testamento parece usar partes do AT de modo antinatural. Como se justifica hermeneuticamente esta prática? Acerca desta segunda questão, verifica-se que estes poucos exemplos podem ser resolvidos à medida que entendemos mais plenamente os métodos interpretativos dos tempos bíblicos. Assim, o próprio NT lança a base para o método histórico-gramatical da moderna hermenêutica evangélica.


EXEGESE PATRÍSTICA
A despeito da prática apostólica, uma escola de interpretação alegórica dominou a igreja nos séculos que se sucederam. Esta alegorização derivou-se de um propósito digno – o desejo de entender o AT como documento cristão. Contudo, o método alegórico segundo praticado pelos Pais da igreja muitas vezes negligenciou por completo o entendimento de um texto e desenvolveu especulações que o próprio autor nunca teria reconhecido. Uma vez abandonado o sentido que o autor tinha em mente, conforme expresso por suas próprias palavras e sintaxe, não permaneceu nenhum princípio regulador que governasse a exegese. Clemente de Alexandria (c. 150 – c. 215) acreditava que as Escrituras ocultavam seu verdadeiro significado a fim de que fôssemos inquiridores, e também porque não é bom que todos a entendam. Ele desenvolveu a teoria de que cinco sentidos estão ligados à Escritura (histórico, doutrinal, profético, filosófico, e místico), com as mais profundas riquezas disponíveis apenas aos que entendem os sentidos mais profundos. Orígenes (185? – 254?) foi o notável sucessor de Clemente. Ele cria ser a Escritura uma vasta alegoria na qual cada detalhe é simbólico, e dava grande importância a 1 Co 2.6-7. Ele acreditava que assim como o homem se constitui de três partes – corpo, alma e espírito – da mesma forma a Escritura possui três sentidos; o corpo é o sentido literal, a alma o sentido moral, e o espírito é o sentido alegórico ou místico. Todavia, na prática, Orígenes menosprezou o sentido literal, raramente se referiu ao sentido moral, e empregou constantemente a alegoria, uma vez que só ela produzia o verdadeiro conhecimento. Agostinho (354 – 430) foi, de longe o maior homem de sua época. Em seu livro sobre a doutrina cristã ele estabeleceu diversas regras para exposição da Escritura, algumas das quais estão em uso até hoje. Na prática, porém, Agostinho renunciou à maioria de seus princípios e inclinou-se para uma alegorização excessiva. Ele cria que a Escritura tinha um sentido quádruplo – histórico, etiológico, analógico e alegórico. Esta opinião predominou na Idade Média. Na teoria ele sistematizou muitos princípios de exegese sadia, mas na prática, deixou de aplicar esses princípios em seu estudo bíblico.


A ESCOLA DE ANTIOQUIA DA SÍRIA
Um grupo de eruditos em Antioquia da Síria tentou evitar o “letrismo” dos judeus e o alegorismo dos alexandrinos. Defendiam que o maior zelo o princípio da interpretação histórico-gramatical, isto é, que um texto deve ser interpretado segundo as regras da gramática e dos fatos da história. Evitavam a exegese dogmática, asseverando que uma interpretação deve ser justificada por um estudo de seu contexto gramático e histórico, e não por um apelo à autoridade. Criticavam os alegoristas por lançarem dúvida na historicidade de muita coisa do Antigo Testamento.


EXEGESE MEDIEVAL (600 - 1500)
Pouca erudição teve origem na Idade Média; a maior parte dos estudantes da Bíblia devotava-se a estudar e compilar as obras dos Pais primitivos. A interpretação foi amarrada pela tradição, e o que se destaca era o método alegórico. O sentido quádruplo da Escritura engendrado por Agostinho era a norma para a interpretação bíblica (a letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram; a alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé; o significado moral dá-nos as regras da vida diária e a anagogia mostra-nos onde terminamos nossa luta). Embora predominasse este método, outros métodos estavam sendo desenvolvidos, e os cabalistas na Europa e na Palestina continuaram na tradição do primitivo misticismo judaico. Entre alguns grupos, porém, estava em voga um método de interpretação mais científico. Os judeus espanhóis dos séculos XII e XV incentivaram o retorno ao método de interpretação histórico-gramatical. Nos séculos XIV e XV predominava profunda ignorância no que concerne ao conteúdo da Escritura; alguns doutores de teologia nunca haviam lido a Bíblia toda. A Renascença chamou a atenção para a necessidade de conhecer as línguas originais a fim de entender-se a Bíblia. Erasmo facilitou este estudo ao publicar a primeira edição de crítica ao NT grego, e Reuchlin com sua tradução de uma gramática e léxico hebraicos. Foi se estabelecendo então, que a Escritura tem apenas um único sentido. Lutero (1483 – 1546) acreditava que a fé e a iluminação do Espírito eram requisitos indispensáveis ao intérprete da Bíblia; que a Bíblia devia ser vista com olhos inteiramente distintos daqueles com os quais vemos outras produções literárias. Lutero sustentava que a Igreja não deveria determinar o que as Escrituras ensinam; pelo contrário, as Escrituras é que deveriam determinar o que a Igreja ensina. Chamou o método alegórico de interpretação da Escritura de “sujeira”, “escória” e de “um monte de trapos obsoletos”. Ele acreditava que a Bíblia é um livro claro (a perspicuidade da Escritura), contrariamente ao dogma católico romano de que as Escrituras são tão obscuras que somente a igreja pode revelar seu verdadeiro significado. Quer concordemos, quer não,  com todas as designações de Lutero, seu princípio cristológico o capacitou a demonstrar a unidade da Escritura sem apelação para a interpretação mística do texto do AT. Ele acreditava que o reconhecimento e a manutenção cuidadosa da distinção entre Lei-Evangelho eram decisivos ao entendimento adequado da Bíblia. Melanchton, companheiro de Lutero em questões de exegese, continuou a aplicação dos princípios hermenêuticos de Lutero em suas exposições do texto bíblico, sustentando e aumentando o impulso da obra de Lutero. Calvino (1509 – 1564), o maior exegeta da Reforma, concordava, em geral, com os princípios articulados por Lutero. Sua sentença favorita era “A Escritura interpreta a Escritura”. Ele declarou certa vez: “a primeira tarefa de um intérprete é deixar que o autor diga o que ele de fato diz, em vez de atribuir-lhe o que pensa que ele vai dizer”. Calvino, provavelmente superou a Lutero em harmonizar suas práticas exegéticas com sua teoria. Os princípios hermenêuticos sistematizados por estes dois reformadores tornaram-se os grandes princípios norteadores para a moderna interpretação protestante ortodoxa.


EXEGESE PÓS-REFORMA (1550 – 1800)
Confessionalismo- O Concílio de Trento reuniu-se em várias ocasiões de 1545 a 1563 e elaborou uma lista de decretos expondo os dogmas da igreja católica romana e criticando o protestantismo. Os protestantes reagiram com o desenvolvimento de credos que definiam sua posição. Os métodos hermenêuticos durante este período freqüente eram deficientes porque a exegese se tornou uma criada da dogmática, e muitas vezes degenerou-se em mera escolha de texto para comprovação.

Pietismo- Surgiu como reação à exegese dogmática e muitas vezes amarga do período confessional. Philip Jakob Spener (1635 – 1705) é considerado o líder do reavivamento pietista. Ele pedia em um de seus folhetos o fim da controvérsia inútil, o retorno ao interesse cristão mútuo e às boas obras; melhor conhecimento da Bíblia por parte dos cristãos, e melhor preparo espiritual para os ministros. Muitos pietistas mais recentes descartaram a base de interpretação histórico-gramatical, e passaram a depender de uma “luz interior” ou de “uma unção do Santo”.

Racionalismo- Posição filosófica que aceita a razão como a única autoridade que determina as opções ou curso de ação de alguém, este modo de pensar viria causar profundo efeito sobre a teologia e a hermenêutica.

Durante o período que se seguiu à Reforma, o uso magisterial da razão começou a emergir mais plenamente como nunca antes. Surgiu o empirismo, crença de que o único conhecimento válido que podemos possuir é o obtido através dos cinco sentidos, e aliou-se ao racionalismo.



HERMENÊUTICA MODERNA (1800 ATÉ O PRESENTE)
Liberalismo- o racionalismo filosófico lançou a base do liberalismo teológico. Ao passo que nos séculos anteriores a revelação havia determinado o que a razão devia pensar, no final do século XIX a razão determinava que partes da revelação (se houvesse alguma) deviam ser aceitas como verdadeiras; o foco agora era a sua autoria humana. O escritor Schleimacher foi além, negando totalmente o caráter sobrenatural da Inspiração. Para muitos destes escritores a inspiração agora referia-se à capacidade da Bíblia (produzida humanamente) de inspirar experiência religiosa. Os racionalistas alegavam que tudo que não estivesse conforme a “mentalidade instruída” devia ser rejeitado. Isto incluía doutrinas como a depravação humana, o inferno, o nascimento virginal, e com freqüência, até a expiação vicária de Cristo. Os milagres e outros exemplos de intervenção divina eram regularmente explicados de forma satisfatória como exemplos de pensamento pré-crítico. Era freqüente a mudança do próprio foco interpretativo: a pergunta já não era “Que é que Deus diz no texto?” e sim “Que é que o texto me diz a respeito do desenvolvimento da consciência religiosa deste primitivo culto hebraico?”.

Neo-ortodoxia- é um fenômeno do século XX, e ocupa, em alguns aspectos, uma posição intermediária entre os pontos de vista liberal e ortodoxo. Rompe com a opinião liberal de que a Escritura é tão-só produto do aprofundamento da consciência religiosa do homem, mas detém-se antes de chagar à perspectiva ortodoxa da revelação. Sustentam que Deus não se revela em palavras, mas apenas por sua presença e que, quando alguém lê as palavras da Escritura e reage com fé à presença divina, ocorre a revelação. A infalibilidade ou inerrância não têm lugar no vocabulário neo-ortodoxo. As histórias bíblicas da interação entre o sobrenatural e o natural são vistas como mitos – não no mesmo sentido dos mitos pagãos, mas no sentido de que não ensinam história real. Os “mitos” bíblicos (como a criação, a queda e a ressurreição) visam a apresentar verdades teológicas na forma de incidentes históricos.

A “Nova hermenêutica”- Uma criação européia a partir da Segunda Guerra Mundial. Emergiu basicamente da obra de Bultmann e foi levada adiante por Ernst Fuchs e Gerhard Ebeling. A linguagem, dizem eles, não é realidade, mas apenas uma interpretação pessoal da realidade. Para eles, a hermenêutica é uma investigação da função hermenêutica da fala como tal, e assim tem um raio de ação muito mais amplo e mais profundo.

A Hermenêutica no Cristianismo Ortodoxo- Durante os últimos 200 anos continuou a haver intérpretes que criam que a Escritura representa a revelação que Deus faz de si próprio – de suas palavras e de suas ações – à humanidade. A tarefa do intérprete, no entender deste grupo,tem sido procurar compreender mais plenamente o significado intencional do primitivo autor. Empreenderam-se estudos da história, da cultura, da língua e da compreensão teológica que cercam os primitivos beneficiários, a fim de que se entenda o que a revelação bíblica significava para esses beneficiários.


O que podemos concluir ao analisarmos todo este processo que ocorreu em relação à interpretação das Escrituras Sagradas? O que acontece todas as vezes que alguém interpreta as Escrituras sem o uso legítimo da Hermenêutica?

Devemos ter cuidado ao aplicar o nosso “achismo” ao lermos a Bíblia, pois ela É o que É: A Revelação Especial de Deus, por meio da qual Deus desvenda aos olhos do homem, de maneira progressiva, o seu plano redentivo para o homem. A razão jamais poderá assumir supremacia sobre aquilo que já foi revelado por Deus em Sua Palavra. Não podemos partir de pressupostos aleatórios, criados pela nossa imaginação ou experiência espiritual pessoal, mas devemos buscar o norte nas regras básicas da Hermenêutica.
Alguns têm trazido à existência diversos erros teológicos, e até fundado seitas e “igrejas” a partir de textos que tomaram de forma isolada e interpretaram a seu bel-prazer. Há também aqueles que usam versículos bíblicos isolados e mal interpretados para embasar sua vida de prática deliberada de pecado diante de Deus. Outros sofrem por pensar que perderam a salvação por voltarem a pecar mesmo depois de regenerado, por interpretar mal certos versículos das Escrituras. É necessário que cada obreiro, que cada crente busque utilizar a hermenêutica constantemente em seus estudos da Palavra de Deus, e não apenas em período em que se encontra no seminário, mas que isto seja uma prática comum no meio dos cristãos; para que possam estar aptos a instruir de forma correta, para que possam ajudar um irmão que está sofrendo algo desta natureza, ou mesmo abrir os olhos aos que estão sendo tentados à apostasia, ou a serem levados por ventos de doutrinas anti bíblicas.
Ao tentar trazer a linguagem da Bíblia o mais próximo possível à nossa compreensão, muitos acabaram criando uma paráfrase da mesma, e não uma interpretação fiel. Esta busca de aproximar as verdades bíblicas do nosso contexto atual deve ser feita com total fidelidade, em santo temor, sem contemplar as nossas próprias visões doutrinárias, mas o que verdadeiramente o autor disse e o que verdadeiramente Deus disse; e para vencermos os diversos abismos que surgem na busca da compreensão da mensagem bíblica, como o abismo histórico, o abismo cultural, a diferença linguística e a lacuna filosófica é imprescindível que recorramos ao uso da hermenêutica.
Não podemos nos esquecer de que a Bíblia não é um livro comum, e de que, por se tratar da transmissão da mensagem divina, requer fidelidade na sua interpretação e exposição.
O Senhor procura servos fiéis, despenseiros fiéis, embaixadores fiéis, arautos fiéis, que dão o alimento correto às Suas ovelhas; às quais Ele arrebanha ao longo de toda a história da humanidade. E fazendo assim, ao chegarem à sua presença, certamente ouvirão dele o bem-vindo: “Servo bom e fiel, entra no descanso do teu Senhor!”

Fonte bibliográfica:

VIRKLER, Henry. Hermenêutica Avançada. São Paulo. Editora Vida.2007.

29.8.11

Jesus o bom Pastor - João 10. 1-18 - Comentário

Hermenêutica

Jo.10.1-18
Jesus, O bom Pastor

O Evangelho do qual falaremos foi escrito por João- “O Discípulo a quem Jesus amava”, a sua ênfase está em revelar a Jesus como o Messias esperado, por meio dos seus milagres, os quais Jesus realizava com a autoridade de Filho de Deus, o qual deixa claro que realiza as obras do Pai. Neste trecho do Evangelho, Jesus se utiliza de linguagem simples e lança mão de coisas do cotidiano do seu povo naquela época, onde havia muitos pastores e rebanhos, este era um dos ofícios mais comuns que havia ali. Naquela época já existiam aqueles que distorciam a Lei e Os Profetas para o seu próprio bel-prazer, de forma que colocavam um jugo sobre os ombros do povo eu nem mesmo eles podiam levar. O Mestre utiliza este paralelo entre o pastor e o ladrão, tanto para abrir os olhos dos que eram enganados, quanto para repreender aqueles falsos pastores/líderes que os subjugavam, tendo em vista que falava entre os judeus, inclusive entre os fariseus, os quais o estavam inquirindo acerca de si mesmos (cap. 9.40-41).
Ele diz que “aquele que não entra pela porta é ladrão e salteador”, ou seja, não é digno de confiança, é invasor (v.1). Isto significa que existe o pastor e o que se faz passar por pastor, e que devemos estar atentos a cada detalhe, buscando reconhecer quem é o Pastor genuíno. “O que entra pela porta é pastor das ovelhas”, ou seja, este sim é digno de confiança, pois “as ovelhas o reconhecem como tal” (v.2). Neste versículo podemos fazer uma correlação com a eleição, pois aqueles que são de Cristo, os que foram eleitos nele antes da fundação do mundo, ouvirão a pregação da Palavra e virão até Ele, pois são suas, estão unidas a Ele e o reconhecem, no tempo determinado por Deus na historia. “Para este o porteiro abre” (v.3), há livre acesso para ele ali, pois é esperado. “As ovelhas o reconhecem, e seguem após ele”. Ele guia aquelas ovelhas que são verdadeiramente suas, e é isto que demonstra a identificação das ovelhas com o pastor, até mesmo a sua voz é inconfundível para elas (Jo 5.25; Jo 6.37-40), não é fácil enganá-las. “Ele as leva para fora”, não para roubar-lhes dali, mas para levá-las a boas pastagens, cuidando para que não comam algo que não presta (o cuidado de Deus para com as suas ovelhas também é profetizado pelo Profeta Ezequiel em EZ 34). É interessante observarmos aqui o cuidado do nosso Pastor para conosco, quando, por meio da sua Palavra, nos instrui para que reconheçamos aquilo que podemos ou não “comer” dentre tantas coisas que ouvimos em nosso contexto atual, só não consegue distinguir entre o bom pasto e os abrolhos aquele que faz como os cristãos de Beréia, os quais ouviam a pregação e observavam as Escrituras comparando, provando o que ouviam. O nosso Pastor nos dá esta capacidade, entretanto devemos estar sempre bem alimentados dos seus “bons pastos” (v.3). Além de tirá-las para fora do aprisco, o verdadeiro pastor não as deixa à toa, mas “vai adiante delas”, guiando e cuidando, pois as mesmas reconhecem a sua voz e sabem que ele lhes fará somente o bem. Aqueles que seguem a Cristo jamais estarão sozinhos ou desamparados em meio a grandes perigos, pois o Pastor está com eles (v. 4). “As ovelhas deste pastor jamais seguirão o estranho; antes, fugirão dele” (v.5). Como já mencionamos as ovelhas que reconhecem o seu dono, jamais darão crédito a estranhos. Aqueles que verdadeiramente pertencem a Cristo automaticamente rejeitam o que não vem dele e fogem de tudo aquilo que, mesmo se chamando “evangelho” não passa de anátema (II Jo 7-11; Rm 16.17; I Co 1.6-9). Até este versículo do trecho, Jesus lhes fala por meio de uma ilustração, porém eles não compreendem (v.6). “Em verdade vos digo: Eu Sou a porta das ovelhas” (v.7)- Jesus afirma que É a porta das ovelhas. Provavelmente outros já haviam tentado se destacar como mestre, exemplo e guia para aquele povo, o qual, segundo o Profeta Isaías, andava em trevas e habitava na região da sombra da morte e tinha, portanto, necessidade de um pastor, de um guia, de um redentor (Is 9.2). Ele afirma que é o Pastor que havia sido prometido (Is 49.9-10). “Todos os que vieram antes de mim são ladrões e salteadores” (v.8). Jesus aqui reivindica para si a autoridade e credibilidade do próprio Messias diante dos falsos mestres existentes naquela época. “Aquele que entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e achará pastagem.” (v.9)- Jesus fala claramente que Ele É a única porta para a salvação (como o reafirma em Jo 14.6), provavelmente foi baseado nesta declaração do Senhor Jesus que Lucas escreve: “Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.” (At 4.12). “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” (v.10)- Jesus declara que, enquanto “o ladrão” (que podemos interpretar aqui como o próprio Diabo) tem como objetivo roubar, matar e destruir não apenas na vida física, terrena, mas para sempre; assim, Ele, o Messias, tem como objetivo, salvar da condenação eterna e fazer com que as “suas ovelhas” (seus eleitos) tenham desde já uma vida em abundância, ou seja, uma vida com propósito, a qual já passa a ser experimentada aqui numa atitude de louvor e glorificação a Deus e se concretizará na sua plenitude quando estivermos com Ele, gozando-o para sempre. “Eu sou o bom pastor, o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (v. 11)- Jesus se lembra da atitude do pastor de ovelhas, o qual está disposto a tudo para defender o rebanho, como vemos o exemplo de Davi, que enfrentou um leão e um urso (I Sm 17. 34-36 a), e em seguida Ele mesmo se coloca como este Bom Pastor, o qual entrega a sua vida pelas “suas” ovelhas. E aí mais uma vez percebemos que Jesus afirma ter as suas ovelhas no meio de toda a humanidade, pelas quais derramou a sua vida, tornando-se o nosso Redentor. “O mercenário que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e as dispersa. O mercenário foge porque é mercenário, e não tem cuidado com as ovelhas” (v. 12,13)- Jesus afirma que o falso pastor é descuidado, finge cuidar das ovelhas, no entanto, as abandona e as deixa perecer. Assim são os falsos mestres, que não cuidam, não oferecendo às ovelhas pastos saudáveis, as enreda no engano, e quando estas se encontram em perigo, ele as ignora. O próprio inimigo de nossas almas também age desta forma; engana, ilude e não se importa se vão perecer juntamente com ele, simplesmente que cumprir o seu intento: afastá-las da possibilidade de encontrar a Verdadeira Porta, o Verdadeiro Pastor. “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.” (v.14,15)- Percebemos claramente aqui que mais uma vez Jesus enfatiza que tem suas ovelhas (Jo 6.39) e Ele ainda irá reforçar esta verdade mais adiante (v.27-29; 17. 9-10). E, além disso, ainda reivindica para si a autoridade de Filho de Deus, o que revoltava os judeus ainda mais (v. 33). “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor.” (v. 16)- Jesus agora fala de coisas que jamais os judeus imaginariam: As suas ovelhas não eram apenas dentre o povo judeu, mas também gentios, de toda tribo, língua, povo e nação (Rm 9.24-27; Gl 3.14; Ap 5.9). Se nos reportarmos a Isaías 40.11, vamos ver ali a promessa de que viria o Sumo Pastor, o qual arrebanharia o rebanho de Deus. Jesus, portanto, se declara sendo este Pastor. “Por isso o Pai me ama, porque dou a minha vida para reassumi-la. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para entregá-la e também para reavê-la. Este mandato recebi do meu Pai.” (v.17,18)- O Senhor Jesus fala sobre a sua morte e ressurreição e mais uma vez reivindica a sua autoridade de Filho e a sua autoridade sobre a própria morte, concedida por Deus, o qual segundo Ele era o seu Pai. Por isso os judeus se revoltaram e começaram a dizer que ele poderia estar endemoninhado ou que poderia estar louco, o que podemos verificar nos versículos seguintes. Jesus era o Filho de Deus e falava com autoridade como tal (Jo 1.4; 2.18-22; 11.25 a; 14.7-11; 17.18 a; Mt. 28.18 b; Mc 1.22) Ele tem a vida em si mesmo, a entregou voluntariamente, e a tomou de volta no ato da ressurreição (I Jo 3.16 a; Ef 2.1,5; Mc 14.22; Hb 9.14; 10.12; At 2.23-36) e é isso que Jesus afirma diante dos judeus, bem antes que viesse acontecer (Jo 20.1 a At 1.11).
Ana Chagas